Com 57 votos a favor, 49 contra e 21 abstenções, foi aprovado o adiamento, por um ano, da adoção do Marco de Emissões Líquidas Zero (Net Zero Framework – NZF) da Organização Marítima Internacional (IMO). O adiamento foi resultado de uma forte pressão dos Estados Unidos, Arábia Saudita, Rússia, dentre outros Estados-Membros produtores de petróleo, e frustra a grande expectativa que havia sobre a aprovação do NZF. A votação ocorreu no último dia da sessão extraordinária do Comitê de Proteção do Meio Ambiente Marinho (MEPC), realizada entre os dias 14 e 17 de outubro, em Londres.
A sessão extraordinária havia sido convocada exclusivamente para adotar os projetos de emendas que irão compor um novo Capítulo 5 do Projeto de Revisão do Anexo VI da Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição por Navios (MARPOL). Os projetos de emendas já tinham sido aprovados em abril, mas careciam da adoção até outubro deste ano para entrar em vigor em 2027. Trata-se de um conjunto de regulamentações internacionais que visam reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE) provenientes de navios, de acordo com a Estratégia para Redução de Emissões de GEE de Navios de 2023 da IMO. Inclui dois elementos principais: um padrão global para combustíveis e um mecanismo global de precificação de emissões de GEE.
Porém, Arábia Saudita e Estados Unidos se revezaram em iniciar estratégias para obstruir as negociações, e dificultar a adoção das medidas. Do outro lado, Brasil, países da Comissão Europeia e Reino Unido fizeram propostas para viabilizar o andamento dos trabalhos e promover a adoção do Marco. Em vão.
Sem a adoção, a indústria fica sem diretrizes consistentes sobre as regras em escala global e os incentivos capazes de impulsionar os investimentos. O adiamento deve impactar significativamente o cronograma de implementação das metas da IMO, cujo cumprimento começa em 2030. Se a adoção fosse realizada, o NZF entraria em vigor em março de 2027, mas o adiamento atrasa seu início em mais de um ano. Independente do adiamento, as metas se mantêm e as discussões técnicas no Grupo de Trabalho Intersessional sobre a Redução das Emissões de Gases de Efeito Estufa por Navios (ISWG-GHG 20) prosseguiram na semana seguinte ao adiamento, entre 20 e 24 de outubro, com o trabalho para avançar no desenvolvimento das diretrizes para a implementação do Marco NZF.
Metas ambiciosas e desafio para a frota
A Estratégia da IMO, atualizada em 2023, estabeleceu metas ambiciosas para redução de emissões no setor, a fim de alcançar emissões líquidas zero de GEE do transporte marítimo internacional por volta de 2050. Para tanto, são previstos pontos de checagem de redução das emissões anuais totais de GEE de 20% a 30% até 2030 e de 70% a 80% até 2040, tendo como base o ano de 2008.
As medidas se aplicam para embarcações maiores de 5000 GT (tonelagem bruta), embarcações de médio e grande porte, responsáveis por 85% da emissão total de CO2 da navegação internacional. A regra, se aprovada, deverá ser cumprida pelos navios dos 108 estados-partes do anexo VI da MARPOL, mas na prática se estende a todos os navios que operam no comércio internacional, resultado das características da globalização das trocas comerciais.
Oportunidade para o Brasil
Durante as negociações, o Brasil destacou que a não adoção do Marco NZF atrasaria investimentos necessários para a transição energética no setor e reforçou que os países em desenvolvimento têm muito a contribuir com o marco, tendo em vista a capacidade para produção de combustíveis alternativos de baixa emissão.
Para cumprir as metas de redução da intensidade de emissão anual de GEE do combustível (GFI), o setor naval vai ser estimulado a utilizar combustíveis renováveis, o que certamente será uma grande oportunidade econômica – e sustentável – para o Brasil, consolidando o potencial de liderança na transição energética e descarbonização do transporte marítimo. Ainda assim, não podemos desconsiderar que a transição implicará em altos custos de adaptação, impactando o comércio internacional, podendo afetar mais negativamente os países exportadores de commodities. Portanto, o desenvolvimento de soluções de baixo carbono também é importante para reduzir – e, eventualmente, reverter – esse impacto.
Uma das metas estabelecidas na Estratégia da IMO de redução de emissões de GEE de 2023 é de que as tecnologias, combustíveis e/ou fontes de energia com emissão zero ou quase zero (Zero or Near Nero – ZNZ) de GEE devem representar pelo menos 5%, com o objetivo de atingir 10%, da energia utilizada pelo transporte marítimo internacional até 2030. Combustíveis como etanol de milho segunda safra e de cana, além do biodiesel de resíduos têm grandes chances de serem classificados como ZNZ. Biocombustíveis derivados de matérias-primas residuais, como óleo de cozinha usado, já estão em uso em embarcações no Brasil, após autorização da ANP.
Oportunidade para o mundo
A transição energética do transporte marítimo já está em andamento e é um caminho sem volta. A União Europeia unilateralmente implantou um sistema de taxação de emissões para todos os navios que chegam ou partem dos portos europeus (ETS). Para que não haja a proliferação regional de sistemas de redução das emissões é necessário que a IMO adote um sistema universal. Não há dúvidas de que é essencial, necessário e urgente trabalhar para termos alternativas mais sustentáveis e contribuir para a transição e redução de emissões.
O novo regulamento, se adotado após o adiamento de um ano, deve motivar melhorias na eficiência energética, no design e na construção dos próximos navios, o uso de novas tecnologias, além da utilização de combustíveis e/ou fontes de energia menos emissoras, incluindo os de emissão GEE “zero ou próximo de zero” (ZNZ).
A renovação da frota atual é um processo complexo, que envolve custos e leva tempo. Considerando que a idade média da frota mundial está por volta de 22 anos (e que a vida útil de um navio de grande porte pode chegar a até 50 anos), existem muitos navios em atividade que ainda vão durar muitos anos e precisarão ser adaptados às novas regras.
Por isso, a adaptação às novas tecnologias e o uso dos combustíveis renováveis significam, ao mesmo tempo, um desafio para o mercado, mas também uma oportunidade para a busca de soluções viáveis para o desenvolvimento sustentável.
Fontes consultadas
IMO. IMO net-zero shipping talks to resume in 2026. Acesso em 22 de outubro de 2025. Disponível em: https://www.imo.org/en/mediacentre/pressbriefings/pages/imo-net-zero-shipping-talks-to-resume-in-2026.aspx
IMO. IMO approves net-zero regulations for global shipping. Acesso em 10 de outubro de 2025. Disponível em: https://docs.google.com/document/d/1qebI3eJ1xxn4d4H58iZbsiKvT64SAyFFIIz49YvJ3Rg/edit?tab=t.0
Ministério de Minas e Energia. Brasil tem potencial para liderar transição energética do transporte marítimo com biocombustíveis e outros combustíveis sustentáveis. Acesso em 10 de outubro de 2025. Disponível em: https://www.gov.br/mme/pt-br/assuntos/noticias/brasil-tem-potencial-para-liderar-transicao-energetica-do-transporte-maritimo-com-biocombustiveis-e-outros-combustiveis-sustentaveis#:~:text=Brasil%20tem%20potencial%20para%20liderar,Minist%C3%A9rio%20de%20Minas%20e%20Energiaon
Seatrade Maritme News. IMO member states tire of US threats over climate rules. Acesso em: 10 de outubro de 2025. Disponível em: https://www.seatrade-maritime.com/regulations/imo-member-states-tire-of-us-threats-over-climate-rules