Etanol, Califórnia e Alavancagem

Seria ingenuidade da minha parte achar que todos os problemas do setor sucroenergético brasileiro estão resolvidos com:  a volta da CIDE –  Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico  – , o  aumento da mistura de etanol na gasolina, a desvalorização do Real e  do  mercado de eletricidade remunerando de forma satisfatória a bioeletricidade do bagaço da cana. A ingenuidade iria às alturas se ainda adicionasse o fato de que o estado norte-americano da Califórnia está finalmente tomando decisões que podem transformá-lo em realidade para as exportações de etanol brasileiro. Com tanto otimismo, angaria, desintencionalmente, a pecha de Policarpo Quaresma ou, para aqueles que gostam de uma rima pobre, o Meloni do exército de Brancaleone.

Otimismos circunscritos ao seu devido lugar, o fato é que tem algo acontecendo na Califórnia que merece uma reflexão além do setor sucroenergético, cujo envolvimento, nesse assunto, já é até o pescoço. Vale dizer que EUA, Califórnia e União Europeia não resolverão o problema do setor sucroenergético brasileiro. Gato escaldado tem medo de água fria.

Mas que existe uma potencial situação de ganha-ganha se desenhando, entre a Califórnia e nosso etanol, isso existe. A Califórnia fica feliz, o setor sucroenergético brasileiro fica feliz. Diante de um cenário pouco atraente para investimentos, não apenas, mas muito contaminado, pelos baixos preços do petróleo, a política estadual da Califórnia (batizada de Low Carbon Fuel Standard) pode trazer pontos de alavancagem, valendo-se das ideias das teorias de sistemas complexos de Donella Meadows, que recolocam  os biocombustíveis no seu devido papel, ou seja, na batalha para reduzir emissões de GEE causadas pelos combustíveis fósseis.

Desde 2008 os defensores dos biocombustíveis de base agrícola, como eu, seguem a estratégia de “batalha em batalha ganhamos a guerra”. Os últimos números publicados pelo estado da Califórnia mostram que nossas pequenas vitórias têm forte potencial para gerar uma grande vitória.

Em 2008 os biocombustíveis de base agrícola foram colocados em dúvida como solução para redução das emissões de GEE provenientes dos combustíveis fósseis. Sendo um combustível que provém de matéria-prima que usa terra, sol e água, o argumento sustentava que qualquer mitigação das emissões que, porventura, decorresse do fato dos biocombustíveis serem produzidos com matérias-primas renováveis, seria neutralizada pelas emissões provenientes da conversão de vegetação natural em terras para produção, direta ou indiretamente, impulsionada pelos biocombustíveis

O estado da Califórnia, cuja política agressiva para redução de emissões no setor de transportes, e que vê os veículos elétricos e os biocombustíveis como a combinação ideal para promover tais reduções, não se privou em reagir. A reação foi um mata-leão no etanol de cana brasileiro: ele deveria, de acordo com as análises e modelos utilizados em 2008, ser penalizado em 46 gramas de CO2 equivalente por megajoule de energia produzida. Para se ter uma ideia, assumindo que a gasolina emite 90 gCO2e/Mj, e que a produção de etanol de cana emite ao redor de 20 gCO2e/Mj, uma penalidade de 46 gCO2e/Mj tiraria toda a sedução da cana na Califórnia. Nesse cenário, o etanol de cana seria considerado um bicombustível ineficiente do ponto de vista ambiental.

Sete anos depois, e uma indubitável liderança da Califórnia nos esforços para aprimorar e tornar realistas os modelos quantitativos para se calcular os 46gCO2e/Mj, a agência ambiental do estado trouxe esse número para 11gCO2e/Mj (batizado de fator de iLUC). Devido ao enorme esforço quantitativo estimulado pela Califórnia, que promoveu um aprimoramento único nos modelos econômicos e biofísicos,  será  tarefa árdua para a  “turma anti-biocombustíveis” duvidar  desse número. É uma vitória para o etanol brasileiro.

A Califórnia, no entanto, gosta de um bate e assopra. Assopraram o etanol de cana reduzindo o fator de iLUC mas bateram nele penalizando a bioeletricidade do bagaço. Mais uma batalha para o etanol de cana reverter a seu favor. Um pouco de otimismo aqui vale.

André Meloni Nassar, Diretor Geral da Agroicone, amnassar@agroicone.com.br
www.agroicone.com.br

http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,etanol-california-e-alavancagem-imp-,1639219

Fonte: Estadão

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