Por Laura Antoniazzi, sócia da Agroicone convidada para a expedição
Organizado pelo Instituto Socioambiental (ISA) e pela Rede de sementes do Xingu (ARSX), a “3ª Expedição da Restauração Ecológica e da Rede de Sementes do Xingu” levou mais de 100 participantes para conhecer as experiências de sucesso das duas tecnologias desenvolvidas: a restauração ecológica com muvuca e a rede de sementes nativas.
Em 2004, o ISA iniciou a campanha Y Ikatu Xibgu para recuperar áreas degradadas, especialmente Áreas de Preservação Permanente (APPs), no entorno e cabeceiras da bacia do Xingu (Terras Indígenas). Esta campanha começou quando o instituto foi procurado pelos indígenas que estavam sentindo os efeitos negativos do desmatamento sobre a qualidade e quantidade de suas água. A mensagem recebida foi: “vocês que são brancos, amansem seus parentes”.
Um dos principais eixos de atuação desta campanha é a recuperação florestal, coordenada pelo biólogo Eduardo Malta. O Instituto desenvolveu a técnica de plantio direto de sementes, chamada popularmente de muvuca, que pode ser mecanizado ou manual. Já foram restaurados 5.800 hectares (ha) em Mato Grosso (MT), Goiás (GO) e Mato Grosso do Sul (MS) utilizando essa técnica, que também vem sendo difundida em outros estados. A densidade de árvores dos plantios é bastante alta, de mais de 12 mil árvores por ha, e depois vai ocorrendo um raleamento natural.
Outro eixo fundamental é a coleta de sementes, coordenado pela Rede de Sementes do Xingu (ARSX), que é a maior e mais antiga rede de coleta de sementes nativas do Brasil, criada em 2007. São coletadas 25 toneladas por ano, de 220 espécies nativas do Cerrado e Amazônia, dado que o Território Xingu está em zona de transição de biomas. Hoje são 568 coletores, divididos em 27 grupos, que já geraram a receita de R$ 4,2 milhões. Grande parte dos coletores são mulheres pelo fato de que não é atividade principal da família, mas, sim, um complemento de renda e, neste caso, as mulheres acabam tendo mais disponibilidade para a atividade.
A Rede trabalha muito com capacitação de coletores, que é feita por associações (também chamados de elos). Um dos grandes desafios da capacitação é a identificação das espécies. A precificação participativa também é difícil e foi desenvolvida em conjunto com ISA, considerando o tempo de coleta da semente e sua forma de beneficiamento, além da demanda. Desta forma, o preço de cada semente leva em conta também o valor de mercado e este é um fator importante para Rede ser competitiva. O grande desafio atual é ser sustentável financeiramente, isto é, que os coletores possam ser autossuficientes em relação ao ISA e outros financiadores. Cada associação entrega para a Rede o potencial de coleta daquele ano e esta recebe pedidos dos vários clientes, incluindo o ISA, e repassa para os coletores.
As sementes coletadas são usadas principalmente para restauração e inclusive há etnias que só aceitam esse uso. Outros usos são indústria de cosméticos (jatobá e guanandi), artesanato, brindes (que tal uma mini muvuca de lembrança de casamento?), entre outros. O mercado de alimentos também teria potencial com baru, caju e outras espécies, mas ainda não foi trabalhado. Os clientes atuais são o próprio ISA, empresas que executam restauração como PCH (pequenas centrais hidroelétricas) e projeto com Rock in Rio, que vai comprar 40 toneladas (ton) de sementes.
Com relação a dinâmica da restauração, há diversas comprovações do sucesso da técnica da semeadura em estabelecer florestas. A técnica consiste em misturar sementes de diversas espécies de árvores nativas junto com adubos verdes. Após um ano, os adubos verdes (feijão de porco e guandu) se estabelecem. Após 3 anos, se estabelecem arbustos, como lobeira e jurubeba. Com cerca de 8 a 10 anos, as árvores pioneiras já estão estabelecidas e com muitos regenerantes embaixo. O desenvolvimento das espécies de adubo verde, arbustos e árvores dependem bastante da preparação do solo, sendo que solos férteis, especialmente com boa quantidade de fósforo, apresentam florestas com crescimento mais rápido. Por outro lado, a competição com o mato atrasa o desenvolvimento da floresta. Com a muvuca, há bastante competição entre os indivíduos, então as árvores demoram mais para bifurcar, o que representa uma característica positiva para fins de aproveitamento da madeira.
Outros fatores de sucesso para implantação de florestas com semeadura direta são as sementes de qualidade e o proprietário se envolver diretamente com a implantação e manutenção. O formato que o ISA trabalha é fornecer assistência técnica e sementes e o proprietário entra com operações, usando equipamentos existentes na fazenda, que podem ser plantadeiras, vincon ou calcareadeira. Os custos estimados pelo ISA são de aproximadamente R$ 6 mil, incluindo preparo de solo, plantio e manejo e monitoramento por 3 anos.
Durante a expedição, pessoas de diversas organizações vindas de todo o Brasil, incluindo a Agroicone, puderam ver projetos de restauração florestal com semeadura direta em 5 fazendas de soja e gado na região de Canarana e conhecer o funcionamento da rede de sementes. A expedição terminou com preparo da muvuca de sementes e plantio em área do grupo Agropecuária Fazenda Brasil, que já tem diversas outras áreas restauradas com a técnica. O arranjo de implementação criado pelo ISA com a participação ativa de produtores rurais e comunidades indígenas é uma experiência de sucesso ao gerar diversos benefícios ambientais, econômicos e sociais com restauração florestal via semeadura direta. Que mais expedições e arranjos possam multiplicar essa experiência para todo Brasil!