Artigo de Rodrigo C. A. Lima e Leila Harfuch para o Valor
Às vésperas do anúncio do Plano Agrícola e Pecuário 2019/2020, há sinais evidentes de que mudanças estratégicas são necessárias na política agrícola. Tradicionalmente, as discussões são balizadas pelo binômio volume de recursos e taxa de juros, os gastos de recursos públicos com subsídios e outros temas como gestão de riscos e políticas de comercialização e industrialização. Vale lembrar que a política de crédito rural nasceu na década de 1960 e foi sendo paulatinamente reformulada, sem mudanças estruturantes e disruptivas.
As despesas com subvenções, em grande parte usadas para baratear o custo do crédito (equalização de taxa de juros e subsídios nos custos administrativos e tributários), entre outras políticas, custam aos cofres públicos algo em torno de R$ 10 bilhões por ano-safra.
Via de regra, países usam recursos públicos para fomentar setores nascentes, indústrias que sofrem problemas severos de competitividade ou, como na maioria dos casos, setores que fazem lobby por políticas protetivas.
Outra justificativa para o uso dos recursos públicos é incentivar setores que geram externalidades positivas que beneficiam a sociedade, o meio ambiente e promovem mudanças que geram impactos sociais. Na Europa, por exemplo, a Política Agrícola Comum fomenta, via pagamentos diretos aos produtores, práticas rotuladas como sustentáveis na visão dos europeus. É estratégico para o Brasil definir práticas que geram esses benefícios diante da nossa realidade e, portanto, merecem suporte do governo?
Diante de um cenário de escassez de recursos públicos, impõe-se pensar de que forma gastar inteligentemente dinheiro que gere, além de seus objetivos diretos, externalidades mais amplas. Vale ressaltar, no entanto, que o crédito rural impacta positivamente não só o PIB da agropecuária, mas também indicadores de produtividade e de uso da terra, conforme estudo recente publicado pelo Climate Policy Initiative.
Algumas questões merecem atenção na revisão da política agrícola: 1- Como fomentar a adoção de tecnologias e inovação no campo diante dos desafios climáticos? 2- Quais ações são estratégicas para o desenvolvimento e perenidade dos sistemas produtivos? 3- Quais são os paradigmas tecnológicos que as cadeias produtivas precisam para crescer de forma sustentável nas próximas décadas? 4 – Qual deve ser o papel do crédito público e o papel do crédito privado? 5- Quais estratégias de gestão de risco devem ser promovidas e como financiá-las?
O debate atual sugere um maior gasto público com instrumentos de gestão de riscos, como seguro rural, e uma redução do crédito rural direcionado e subsidiado, desde que se criem condições para o mercado de crédito privado atuar. No entanto, ainda é incipiente o debate sobre a importância dos créditos para investimentos, não cobertos pelo mercado privado, essencial para a adoção de tecnologias, melhoria de produtividade e da competitividade das cadeias produtivas.
A recuperação de pastagens degradadas é uma imensa oportunidade para fomentar o aumento da produção, associando tecnologia e otimizando o uso da terra. De acordo com dados da consultoria Athenagro e do Rally da Pecuária, em 2018 a degradação de pastagens gerou perdas equivalentes a R$ 7,23/arroba produzida, em função de gastos com reforma de pastagens em estágio avançado de degradação. Adicionalmente, R$ 5,74/arroba são perdidos pela perda de patrimônio decorrente da produção em áreas degradadas.
Do total de 162,5 milhões de hectares de pastagens estimados pela consultoria, apenas 18,3 milhões de hectares (mm ha) são pastagens de alta qualidade e 38,3 milhões são pastagens que demandam pouco investimento para se tornar de alta qualidade. Mas, estima-se que 49,5 milhões de hectares necessitarão de recuperação nos próximos 12 a 36 meses e 8,4 milhões nos próximos 12 meses.
A conversão de pastagens degradadas em pastagens de alta produtividade e resilientes, em áreas agrícolas e a implantação de sistemas integrados são fundamentais não só para melhoria de produtividade e renda da propriedade rural, mas também para conciliar a produção com a conservação ambiental. É estratégico reverter a degradação de áreas, tornando-as produtivas.
Entre as linhas de crédito do Sistema Nacional de Crédito Rural, o Programa para Redução de Emissão de Gases de Efeito Estufa (ABC) é o mais amplo e completo para financiar diversas práticas, sistemas produtivos e tecnologias que promovam ganhos de produtividade e adaptação produtiva que resultem em redução de emissões de gases de efeito estufa e em aumento da resiliência produtiva.
No entanto, os recursos para o ABC vêm sendo reduzidos ano a ano, muito embora os R$ 2 bilhões disponibilizados na safra 2018/2019 tenham sido integralmente tomados antes de terminar o ano-safra.
O ABC é o principal programa nacional que tem objetivos abrangentes e alinhados aos desafios de mitigação, adaptação e desenvolvimento sustentável, trazendo o setor agropecuário como protagonista dessa transformação ao implementar práticas que gerem externalidades positivas.
Sugerimos repensar o Plano Safra a partir de uma arquitetura simples: programas de custeio, investimentos e de gestão de riscos, diferenciando grandes, médios e pequenos produtores. A alocação de subsídios e subvenção econômica deve refletir as necessidades das cadeias produtivas para maximizar o potencial produtivo alinhado com a conservação de vegetação nativa nas fazendas, atributo que distingue os produtos brasileiros.
O potencial para promover a intensificação produtiva, que permita produzir mais com menos área, vencer gargalos de produtividade em setores-chave, promover a recuperação de áreas degradadas, transformando-as em áreas produtivas e resilientes, incorporar tecnologias e inovação, dependerá de mudanças profundas na forma de financiar investimentos no campo. Em tempos de reformas, é preciso construir uma política agrícola 4.0, que mire os reais desafios que atravancam o desenvolvimento do setor agropecuário.
Fonte: Valor Econômico.
Autor: Rodrigo C. A. Lima e Leila Harfuch