Rodrigo Lima escreve sobre biotecnologia e regulamentação internacional no Anuário Abrasem 2014

Rodrigo C A Lima

O amadurecimento da biotecnologia nos últimos anos gerou novos produtos e tecnologias que ajudam a agricultura tropical brasileira a expressar um potencial invejável. Milho, soja, algodão são os eventos mais conhecidos, mas a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio já aprovou feijão, vacinas, microorganismos e leveduras, utilizadas para a produção de óleos, bioquerosene de aviação e outros produtos.

Com 10 anos de vigência, a Lei de Biossegurança fortaleceu o marco regulatório nacional, principalmente quando se tem em mente a segurança dos produtos para a saúde humana e as questões ambientais.

Muito se discute sobre a aprovação de novos produtos, incluindo arroz, eucalipto, citrus, verduras, mosquitos e microorganismos que podem trazer benefícios considerando aumento de produtividade, eficiência de manejo, melhorias no tocante a impactos ambientais e atributos ligados à saúde. Nesse sentido, fortalecer a CTNBio é essencial para assegurar regras claras que incentivem a pesquisa e o desenvolvimento de novos produtos, tendo como premissa a necessidade de assegurar requisitos rígidos de biossegurança.

Em paralelo às questões regulatórias em âmbito nacional, o Brasil faz parte do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança, tratado internacional ligado à Convenção sobre Diversidade Biológica, que visa criar regras para evitar possíveis danos que os chamados organismos vivos modificados (OVMs) possam causar a biodiversidade, tendo em conta também a saúde humana. Os OVMs nada mais são do que eventos transgênicos que podem transferir ou replicar material genético.

Em outubro de 2014 ocorrerá a 7ª Reunião das Partes do Protocolo (MOP7), na Coréia do Sul, e alguns temas dessa negociação podem causar impactos para o desenvolvimento da biotecnologia no Brasil e a consequente comercialização de produtos derivados.

A discussão sobre identificação de carregamentos é um desses temas. Os países vão analisar a experiência das Partes com a identificação de carregamentos utilizando a expressão “pode conter OVMs”, com base em uma decisão tomada em 2006. Espera-se que a decisão seja mantida, a fim de que os países passem cada vez mais a implementar a identificação, e enviem informações sobre os OVMs aprovados como forma de dar transparência sobre todos os eventos aprovados internamente.

Alguns países e ONGs contrárias a biotecnologia argumentam que é necessário identificar os carregamentos com a expressão “Contêm OVMs”, o que exigiria testar os produtos embarcados com tecnologias de ponta, como os testes PCR real time.

O objetivo da identificação é informar ao país comprador quais transgênicos são autorizados no país exportador, e permitir a clara identificação em caso de dano. A regra hoje é identificar os carregamentos com a expressão “Pode Conter OVMs”, e indicar os eventos aprovados no país. A despeito dos argumentos que defendem a identificação rígida – Contêm OVMs – é crucial lembrar que o Protocolo não trata da rotulagem de produtos, e há obstáculos metodológicos e econômicos que fragilizam a identificação de todos os eventos que podem estar presentes em um carregamento.

Outro tema que merece atenção trata da aprovação de um guia sobre análise de risco, como uma referência internacional sobre o tema. O documento foi bastante criticado na última reunião, em 2012, e após uma série de debates e de testes feitos por 48 países sobre a utilidade do Guia, espera-se aprova-lo em outubro.

O objetivo desse documento é ajudar países que não possuem leis de biossegurança a fazer análise de risco. No entanto, o Guia precisa ser cientificamente aprimorado para se tornar uma recomendação valiosa para avaliadores de risco. Dessa forma, aprovar o documento pode trazer impactos no futuro, quando um país não aceitar comprar produtos brasileiros por exigir uma análise de risco com critérios não necessariamente exigidos na legislação nacional.

A despeito desses dois temas, a agenda de considerações sócioeconômicas que começa a ganhar corpo no Protocolo de Cartagena, deve se tornar o tema mais quente na reunião da Coréia do Sul. Para o Protocolo, os países devem considerar questões sócioeconômicas ao tomar uma decisão sobre importar um OVM, tendo em vista possíveis impactos para a biodiversidade.

Há um grupo ad hoc discutindo o que são essas considerações socioeconômicas, mas o grupo não definiu um conceito preciso. Discute-se, por exemplo, incluir a necessidade de análises econômicas, sociais, religiosas, éticas e culturais para que um OVM possa ser importado, afinal, pode gerar impactos em diferentes áreas, ditas socioeconômicas.

Essa agenda, apelidada de SEC (socioeconomic considerations), abre um espaço enorme para que países adotem exigências que de maneira muito inventiva e fácil, podem criar barreiras ao comércio, respaldadas pelas preocupações socioeconômicas. O texto que servirá de base para as negociações propõe aprovar um mandato para o grupo ad hoc estabelecer orientações para ajudar os países a definir quais considerações devem levar em conta.

Caso esse mandato seja aprovado na Coréia do Sul, é possível que daqui a 2 anos, na MOP8 do Protocolo, os países tenham em mãos um documento com orientações para pautar a tomada de decisões ligadas a produtos transgênicos, afinal, seus impactos socioeconômicos devem ser considerados. E esse tipo de documento, no contexto do Protocolo, apesar de voluntário, se tornaria um guia de referência internacional, e é ai que mora o perigo.

Independentemente do rumo que esse grupo tome, a participação do Brasil com um membro é essencial. Em 2014 o Brasil não enviou representante, e assumindo a amplitude que essas discussões ganham, parece crucial participar desse grupo.

Por fim, é válido salientar que outro tema deverá ser discutido na reunião do Protocolo, mas principalmente na agenda da Convenção sobre Diversidade Biológica. Trata-se da proposta de moratória a biologia sintética, que envolve técnicas de biotecnologia capazes de fazer com que uma bactéria ou um microorganismo expressem ou desenvolvam produtos que naturalmente não fariam.

Em outras palavras, busca a síntese artificial de novos elementos genéticos a partir de informações contidas em cadeias bioquímicas, prática rotineira no setor acadêmico pela utilização já consagrada de técnicas de clonagem e recombinação.

Existem vários produtos feitos utilizando técnicas de biologia sintética, envolvendo medicamentos, óleos para a indústria química, cosmética e de biocombustíveis, bem como enzimas e produtos para a indústria de alimentos. Na União Europeia, essas tecnologias são utilizadas há décadas na indústria de lácteos e bebidas, sem que existam impactos para a saúde humana e o meio ambiente.

Algumas ONGs absolutamente contrárias a biologia sintética já manifestaram apoio incondicional a moratória, o que na prática inviabilizaria as próprias pesquisas, necessárias para buscar evidências sobre possíveis impactos da tecnologia.

É importante destacar que as Partes da CDB já aprovaram que os países devem adotar o enfoque de precaução ao lidar com essas tecnologias, e isso exige a realização de pesquisas. Além disso, a Lei de Biossegurança cobre biologia sintética, na medida em que regula o uso de segmentos de ácidos nucléicos sintéticos.

Os defensores da moratória pretendem que as Partes da CDB aprovem a negociação de um novo protocolo internacional para regular biologia sintética, o que parece absolutamente desnecessário considerando a própria CDB e o Protocolo de Cartagena. O que falta, na realidade, é a capacidade dos países de fazer avaliações de risco que permitam aprovar ou não as tecnologias com base em evidências científicas, caso contrário, torna-se mais fácil defender propostas como a moratória.

Esses temas refletem os principais pontos da agenda que norteará as negociações do Protocolo de Cartagena em 2014. Vale lembrar que o Brasil é um dos poucos países que integram o Protocolo com uma condição muito peculiar: país megadiverso e ao mesmo tempo grande produtor de alimentos e energias renováveis.

Espera-se que as decisões adotadas na MOP7 sejam minimamente equilibradas, voltadas para atingir os objetivos do Protocolo, sem que criem restrições e custos desnecessários.

Por fim, considerando que a pressão contra o Brasil, notadamente marcada pelo fato do país ter uma Lei de Biossegurança e não ser fechado a biotecnologia, sempre será marcante, participar das reuniões do Protocolo se torna um tema cada vez mais relevante na pauta tanto do governo quanto de atores envolvidos no tema.

Artigo publicado na página 15 do Anuário Abrasem 2014

Download do Anuário: Anuario-Abrasem-2014

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