No contexto da crise climática, o Brasil ocupa uma posição singular: ao contrário das maiores economias do mundo, onde o setor energético lidera as emissões de gases de efeito estufa (GEEs), por aqui, o desmatamento, principalmente na Amazônia e no Cerrado, é historicamente o principal vetor das emissões nacionais. Reduzi-lo é, portanto, a principal estratégia brasileira para contribuir com os compromissos climáticos firmados junto à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC).
Neste artigo para o Broadcast+ da Agência Estado, Rodrigo Lima, sócio-diretor da Agroicone, oferece uma análise crítica do novo Plano Clima, que deve entrar em consulta pública em julho. A proposta traz metas ambiciosas, como a eliminação do desmatamento ilegal até 2030 e o alcance da neutralidade climática até 2050, mas também levanta dúvidas relevantes sobre as bases técnicas, jurídicas e operacionais que sustentam esses compromissos.
Com base na leitura da NDC (Contribuição Nacionalmente Determinada) atualizada pelo Brasil e dos principais instrumentos setoriais, como o Plano ABC+ e os Planos de Prevenção e Controle do Desmatamento, Rodrigo detalha:
- O novo enfoque de “desmatamento líquido zero”, que combina metas de eliminação do desmatamento ilegal com a compensação da supressão legal por meio da restauração de milhões de hectares de florestas.
- A nova metodologia de alocação das emissões, que transfere para o setor agropecuário emissões decorrentes do uso da terra, mesmo em áreas públicas ou de gestão compartilhada, como assentamentos e terras quilombolas.
- Os riscos de se transformar a agropecuária no principal emissor nacional, sem uma base de dados consolidada e sem o devido debate técnico e institucional.
- As oportunidades e lacunas associadas ao fortalecimento da agropecuária de baixo carbono, à valorização das áreas protegidas (APPs, reservas legais) e à integração entre políticas agrícolas, ambientais e fundiárias.
- As implicações para o mercado de carbono, sobretudo no contexto do Artigo 6 do Acordo de Paris, que exige comprometimento real com as metas para permitir transações internacionais de créditos.
E, acima de tudo, o alerta: sem controle efetivo do desmatamento ilegal, avanços reais em restauração e critérios claros de alocação das emissões, o Brasil pode comprometer sua credibilidade internacional, e colocar em xeque a viabilidade de sua estratégia de descarbonização.