Breve análise do Plano Safra 2024/2025 e o alinhamento com atributos de sustentabilidade

Por Leila Harfuch, Gustavo Dantas Lobo e Lauro Vicari*

Recursos disponibilizados

Os recursos disponibilizados virão, em boa parte, de recursos próprios das instituições financeiras para a agricultura empresarial, do BNDES para a agricultura familiar e de poupança rural para os médios produtores. Vale ressaltar que os recursos livres (não controlados e sem equalização) aumentaram a participação no volume total de recursos disponibilizados especialmente para a agricultura empresarial, tanto para custeio quanto para investimentos (63% do total deste grupo de produtores).

Essa dinâmica favorece o foco dos recursos controlados equalizados em públicos e finalidades específicas e pactuadas como prioritárias, como é o caso da Agricultura Familiar e programas de investimento rotulados.

Do volume anunciado pelo Plano Safra empresarial (médios e grandes produtores rurais), os recursos para operações de investimento somam R$ 107,3 bilhões, sendo R$ 48,8 bilhões com recursos equalizados, R$ 27 bilhões com juros controlados não equalizados e R$ 31,5 bilhões com juros livres.

Para a agricultura familiar, inteiramente operada com recursos controlados, R$ 76 bilhões foram anunciados para o Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar – Pronaf, sendo R$ 42,7 bilhões de recursos equalizados. Além dos recursos destinados ao crédito, foram anunciados R$ 9,7 bilhões para ações direcionadas à outros instrumentos de política agrícola como compras públicas, assistência técnica e extensão rural, Política de Garantia de Preços Mínimos para os Produtos da Sociobiodiversidade (PGPM-Bio), Garantia-Safra e Proagro Mais.

A Portaria no 1.138 de 10 de julho de 2024, do Ministério da Fazenda, que trata da equalização de taxa de juros, apresenta um conjunto de 25 instituições financeiras com limite de equalização nas diferentes linhas de crédito e condições de financiamento. O volume de recursos equalizáveis para a safra 2024/2025 somam R$ 133,88 bilhões sendo distribuídos conforme a Tabela 1.

Tabela 1: Limites equalizáveis por linha de crédito e fonte de recursos (safra 2024/2025) – valores em R$ milhões

Fonte: DOU, Ministério da Fazenda. Elaboração: Agroicone

Vale destacar, primeiramente, a alocação de recursos conforme a fonte de recursos. Para a agricultura familiar, dos R$ 42,7 bilhões equalizáveis, 34,6% virão de recursos do BNDES, 35,2% de poupança rural e 30,2% de recursos próprios das instituições financeiras. Para os médios produtores, via Pronamp, foram disponibilizados R$ 33,8 bilhões equalizáveis, sendo 63,3% provenientes de poupança rural, 24,9% de recursos próprios e 11,6% do BNDES. Já para os demais produtores, R$ 57 bilhões são equalizáveis, sendo 69,4% de recursos próprios, 29,3% de poupança rural, 25,7% do BNDES e 0,12% de LCA.

Observa-se um aumento na participação do BNDES nos recursos equalizáveis e a importância desta fonte para o Pronaf. Em comparação com a safra 2023/2024, os recursos equalizáveis do BNDES saltaram de R$ 18,8 bilhões para R$ 33,5 bilhões para a safra 2024/2025, além da representatividade ser ampliada de 15% para 25% entre as duas safras.

Como o BNDES possui operações indiretas do crédito rural, diversas instituições financeiras operadoras do crédito poderão utilizar esta fonte de recursos para as operações dos diversos portes de produtores, finalidades e linhas de crédito.

No artigo “Plano Safra 2023/2024: Breve análise dos requisitos e incentivos para a sustentabilidade do setor agropecuário” publicado em 08/07/2024 ressaltamos a ampliação dos impedimentos sociais, ambientais e climáticos, que já estão em vigor. Para a Safra 2024/2025, as principais novidades alinhadas à jornada de sustentabilidade da agropecuária estão não só no volume recorde de recursos disponibilizados para o RenovAgro e outras linhas de investimento com este alinhamento, mas também na possibilidade de financiamento dos investimentos necessários para a recuperação da vegetação nativa daqueles imóveis que tiverem embargos ambientais, impedindo que possam contratar o crédito rural para sua atividade principal.

Por fim, a diferenciação da taxa de juros de custeio para produtores que comprovarem atributos sustentáveis de sua produção salientam as intervenções voltadas para promover o crédito rural alinhado a princípios de produção sustentável.

Autorização de financiamento para imóveis com embargos ambientais

A Resolução CMN no 5.149/2024 apresentou a possibilidade de regularizar os imóveis rurais com embargos ambientais, ao incluir o item 8-A na seção 9 do capítulo 2 do Manual de Crédito Rural (MCR 2-9-8-A), que autoriza o financiamento específico para a recuperação da vegetação nativa via Pronaf Floresta, Pronaf Bioeconomia ou RenovAgro:

“8-A – O disposto na alínea “a” do item 8 [não concessão de crédito rural a imóveis com embargos decorrentes de uso econômico de área ilegalmente desmatada] não se aplica ao financiamento nas linhas de crédito Pronaf Floresta, de que trata o MCR 10-7, Pronaf Bioeconomia, de que trata o MCR 10-16, ou RenovAgro Ambiental, de que trata o MCR 11-7-1-“c”-VI, com a finalidade exclusiva de recuperação da vegetação nativa da área embargada do imóvel rural e desde que se trate de execução do Programa de Regularização Ambiental (PRA) ou instrumento similar estabelecido e aprovado pelo órgão competente, com eficácia de título executivo extrajudicial, que tenha como objeto obrigação relativa à reparação de danos ambientais, caso existentes.”

Ressalta-se nesta possibilidade de regularização concedida, a exigência de comprovação do compromisso de recomposição por meio de instrumento legal, o que traz mais segurança para a concessão do crédito, bem como auxilia em seu monitoramento. Essa novidade destaca a conexão do crédito rural como indutor da recuperação de áreas ilegalmente convertidas, ressaltando o papel da implementação do Código Florestal.

Outra alteração na redação da Resolução é a clareza de que a supressão de vegetação nativa deve ser autorizada por órgão competente, dentre as possibilidades de financiamento de investimento dispostas na Seção 3 (Crédito de Investimento) do Capítulo 3 (Operações) do MCR.

Apesar dessa intervenção ser direcionada ao cumprimento do Código Florestal (Lei de Proteção da Vegetação Nativa), vale ressaltar que ao alinhar o crédito rural com objetivos socioambientais e climáticos, deve-se evitar a supressão da vegetação nativa, utilizando os mecanismos financeiros para a conservação da vegetação dispostos no Artigo 41 do Código Florestal, como a Cota de Reserva Ambiental – CRA. Esta, inclusive, possui incentivos na própria política de crédito rural, como o aumento do limite de crédito e redução na taxa de juros de custeio, além da possibilidade de financiar a aquisição de CRA pelos produtores com passivos de Reserva Legal por meio do RenovAgro Ambiental.

Incentivos para a produção agropecuária alinhada à jornada de sustentabilidade

A Resolução CMN no 5.150/2024 alterou a denominação do Capítulo 11 (Programas com Recursos do BNDES) do MCR para Programas de Investimento Agropecuário – InvestAgro.

A mesma resolução alterou algumas condições de financiamento dos programas de investimento, como prazos de pagamento e de carência. O Proirriga – Programa de Financiamento à Agricultura Irrigada e Cultivo Protegido reduziu o prazo de repagamento em 2 anos e o de carência em 1 ano, este último também observado para o PCA – Programa para a Construção e Armazéns.

Ainda, o RenovAgro alterou o subprograma Dendê para Palmáceas, com a finalidade de financiamento para “florestas de palmáceas para uso energético, prioritariamente em áreas produtivas degradadas”. Comparativamente à safra anterior, o prazo de reembolso reduziu em 2 anos, mantendo o prazo de carência de até 2 anos. Os demais subprogramas do RenovAgro não tiveram alterações em relação aos prazos de carência.

Vale ressaltar o volume de recursos disponibilizado para o RenovAgro. Para o RenovAgro Ambiental há R$ 225 milhões disponíveis para financiar a recuperação da vegetação nativa para áreas embargadas, além das finalidades já financiadas de regularização ambiental das propriedades rurais.

Para o RenovAgro – Recuperação e Conversão, para a recuperação e conversão de pastagens degradadas, estão disponíveis R$ 2 bilhões. Esses dois subprogramas do RenovAgro possuem a menor taxa de juros de investimentos para a agricultura empresarial, de até 7,00% a.a. Para os demais subprogramas do RenovAgro, estão disponibilizados R$ 5,45 bilhões, a até 8,50% a.a. Todos os subprogramas somam R$ 7,68 bilhões disponibilizados para o programa RenovAgro, um aumento nominal de 11% no volume de recursos comparado à safra passada.

Neste contexto, é relevante mostrar o apetite do produtor rural em contratar a linha de investimento do RenovAgro. Na safra 2023/2024 foram disponibilizados R$ 6,93 bilhões e alocados R$ 5,7 bilhões para 3.953 contratos em 1,39 milhão de hectares, com base nos dados do Banco Central do Brasil acessados em 06/07/2024 (que ainda devem passar por atualizações).

Figura 1: Alocação dos recursos do RenovAgro por subprograma na safra 2023/2024

Fonte: Banco Central do Brasil, SICOR. Acessado em 06/07/2024. Elaboração: Agroicone

Redução na taxa de juros de custeio aos empreendimentos alinhados à jornada de sustentabilidade da agropecuária

O anúncio do desconto na taxa de juros de custeio para empreendimentos alinhados à sustentabilidade ocorreu no Plano Safra 2023/2024, mas as regras para essas operações foram divulgadas na Resolução CMN no 5.152/2024 e serão implementadas a partir de 2 de janeiro de 2025.

Em resumo, os empreendimentos financiados que tiverem certificações reconhecidas pelo Ministério da Agricultura e Pecuária e empreendimentos que obtiveram financiamento de investimento do Programa de Financiamento a Sistemas de Produção Agropecuária Sustentáveis (RenovAgro) (anteriormente denominado Programa ABC/ABC+) nos últimos 5 anos safra, terão desconto de 0,5 (meio) ponto percentual na taxa de juros do crédito de custeio contratado com recursos equalizados ou com recursos obrigatórios no Pronamp ou pelos demais produtores rurais, desde que a atividade financiada para o custeio coincida com a área objeto do contrato de investimento.

A instituição financeira deverá realizar a verificação da certificação e da elegibilidade da operação por meio da plataforma AgroBrasil Mais Sustentável do Ministério da Agricultura (a ser lançada). No caso de atrelar o desconto da taxa de juros de custeio com o crédito de investimento do RenovAgro ou Programa ABC/ABC+, o beneficiário do crédito rural terá que autorizar o compartilhamento de seus dados (operações de crédito rural) via open banking, caso não seja divulgado pelo Banco Central do Brasil. Hoje, as operações do RenovAgro, Programa ABC ou ABC+ que possuem subvenção econômica estão divulgadas no SICOR.

Esse desconto na taxa de juros de custeio pode ser cumulativo, atingindo 1 ponto percentual a menos, se levarmos em consideração este incentivo alinhado a práticas sustentáveis e a redução já incluída na safra 2023/2024 relacionado ao Cadastro Ambiental Rural – CAR analisado e em conformidade com o Código Florestal, em processo de regularização ambiental ou passível de emissão de Cota de Reserva Ambiental (Resolução CMN no 5.102/2023, disposto no MCR 3-2).

O recurso disponibilizado equalizável para o custeio empresarial com redução de até 1 ponto percentual é de R$ 2 bilhões, e para o custeio no Pronamp,
R$ 5,6 bilhões. Estes valores representam 20% do total de custeio com equalização destes dois grupos de produtores rurais, um avanço importante para canalizar os recursos controlados da política de crédito rural alinhados à jornada de sustentabilidade da agropecuária.

Vale ressaltar que a proposta de atrelar o desconto na taxa de juros de custeio ao contrato de investimento nas linhas sustentáveis da política de crédito rural, que inclui o RenovAgro, foram apresentadas e debatidas com diversos atores e formuladores da política agrícola e detalhadas na Nota Técnica 4 do conjunto de propostas para o Plano Safra 2024/2025 enviadas pela Agroicone. A metodologia inédita de classificação de recursos do crédito rural apresentada pode ser utilizada para diversas finalidades, inclusive para o desenvolvimento da taxonomia sustentável brasileira do setor agropecuário e florestas.  

Um olhar especial para o Plano Safra da Agricultura Familiar 2024/2025

O Plano Safra da Agricultura Familiar 2024/2025 deu continuidade aos incentivos nas condições de financiamento para produtos da cesta básica, agroecológicos, orgânicos e da sociobiodiversidade, já implementados na safra anterior, com destaque também para o fortalecimento do financiamento para as cadeias de arroz e do leite da agricultura familiar.

Vale destacar a taxa de juros real negativa na maioria das linhas de crédito do Pronaf alinhados à sustentabilidade e à agenda climática. Pronaf Floresta, Semiárido, Agroecologia e Bioeconomia (exceto para silvicultura) serão operados com taxa de juros de 3% a.a. Estão disponibilizados R$ 2,9 bilhões para os investimentos nessa faixa de taxa de juros.

Destaque para o Programa Nacional de Florestas Produtivas (Decreto no 12.087 de 3 de julho de 2024), que fomenta a recuperação de áreas degradadas e alteradas para fins produtivos, a adequação e regularização ambiental da agricultura familiar, a produção de alimentos saudáveis e produtos da sociobiodiversidade por meio de sistemas agroflorestais. O Programa prevê ações de assistência técnica e extensão rural, crédito e financiamento para sistemas agroflorestais (por meio do Pronaf Floresta) e a estruturação de casas e redes de sementes, de viveiros comunitários e de outros instrumentos que ofertem insumos para a cadeia de recuperação de áreas degradadas e alteradas.

Espera-se que este programa fomente a cadeia da restauração, incentivando a agricultura familiar na produção de sementes e mudas, além de regularizar os imóveis dos produtores familiares com sistemas agroflorestais.

Ainda, foram divulgados acordos de cooperação técnica e editais para fortalecer a produção sustentável da agricultura familiar e apresentadas estratégias de acesso ao crédito por meio do Fundo Garantidor de Operações (Projeto de Lei), Fundo Garantidor para Investimentos via BNDES e Fundo de Aval às Micro e Pequenas Empresas. Além dos fundos anunciados, foram fortalecidas as linhas de acesso e inclusão produtiva, como microcrédito, Pronaf Mulher e Pronaf Jovem.

Outro destaque importante para a agricultura familiar refere-se ao estímulo à contratação de assistência técnica. Publicado na Resolução CMN no 5.151/2024, além de financiar o projeto técnico, houve aumento no percentual financiado em um ponto ao ano para os empreendimentos alinhados à jornada de sustentabilidade da agricultura familiar, em comparação aos demais empreendimentos financiados com assistência técnica:

MCR 10-1-43-“c”: para empreendimento vinculado a investimento relacionado à inovação tecnológica quando obrigatoriamente contratados com assistência técnica e desde que se destinem à automação na avicultura, suinocultura e bovinocultura de leite, e à construção e manutenção de estruturas de cultivos protegidos, inclusive equipamentos relacionados, sistemas de irrigação, componentes da agricultura de precisão e tecnologias de energia renovável, como uso da energia solar, biomassa e eólica, ou em sistemas agroflorestais, sistemas de produção agroecológica ou em transição para agroecologia, mediante apresentação de projeto técnico, na seguinte forma:

I – até 3% (três por cento) do valor do orçamento, exigíveis no ato da abertura do crédito;

II – até 3% a.a. (três por cento ao ano), exigíveis em 30 de junho, 31 de dezembro e no vencimento do contrato de prestação da orientação técnica, incidentes sobre os saldos da conta vinculada após o primeiro ano de vigência da operação, acrescidos dos recursos próprios aplicados no empreendimento.

Ainda, o orçamento divulgado para a assistência técnica da agricultura familiar pública é de R$ 307 milhões. Apesar do crescimento o valor ainda é muito aquém do necessário para fortalecer as redes de assistência técnica. Apenas 14% dos estabelecimentos da agricultura familiar do país tiveram algum acesso a assistência técnica pública ou privada em 2017 (IBGE, Censo Agropecuário, 2017), o que reflete o desafio de ampliar significativamente o suporte para os produtores adotarem tecnologias e boas práticas produtivas.

Por fim, o Plano Safra da Agricultura Familiar 2024/2025 apontou direcionamentos importantes para a produção sustentável, inclusão produtiva, acesso ao crédito e cooperação técnica para a agricultura familiar. Vale acompanhar a execução destes recursos, a formalização e operacionalização dos fundos garantidores anunciados.

Propostas apresentadas pela Agroicone

A Agroicone apresentou um conjunto de propostas para os formuladores da política agrícola detalhadas em sete notas técnicas no documento: “Propostas para o Plano Safra 2024/2025”. As propostas visam aprimorar a gestão de riscos socioambientais e climáticos da política agrícola, promover a implementação do Código Florestal e a regularização ambiental dos imóveis rurais, fomentar e premiar a adoção de práticas e tecnologias sustentáveis e resilientes no campo, aprimorar o SICOR e a gestão integrada de riscos por meio do crédito e do seguro rural.

Reforçamos alguns pontos ainda não implementados pela política agrícola relacionados aos atributos sociais, ambientais e climáticos do crédito rural a serem incorporados no SICOR e/ou nas condições gerais do crédito rural:

      • Observância do Zoneamento Agrícola de Risco Climático – ZARC nas operações de crédito rural de custeio (obrigatórias somente naquelas que aderem ao Proagro e nos contratos de seguro rural);

      • Inclusão dos mapas do Zoneamento Agrícola de Risco Climático – Níveis de Manejo (ZARC NM) e estratégias de coleta de dados e informações;

      • Observância do desmatamento (mapas do PRODES/INPE), de forma a alertar as instituições financeiras dos riscos ambientais;

      • Inclusão dos mapas de qualidade de pastagens, especialmente para observância do vigor das pastagens nas operações de aquisição de bovinos;

      • Mapa com potencial hídrico por município disponibilizado pela Agência Nacional de Águas, para observância das operações de crédito para a agricultura irrigada (outorga de água para implantar projetos de irrigação não é exigida para a concessão de crédito rural).

    Para alavancar a implementação do Código Florestal e adequação ambiental dos imóveis rurais, há a necessidade de o crédito rural deixar claro a possibilidade de financiar viveiros de mudas de espécies nativas. Uma mudança ocorreu no Pronaf Floresta, possibilitando financiar a implantação de espécies de árvores frutíferas do bioma da região como parte do sistema agroflorestal.

    Ainda há demanda da cadeia da restauração para melhorar as condições de financiamento para fins de restauração e regularização ambiental, reconhecer as áreas de Reserva Legal como parte das garantias das operações de crédito rural e implementar os instrumentos como a Cota de Reserva Ambiental.

    A principal inovação apresentada pela Agroicone foi uma metodologia de classificação dos recursos do crédito rural alinhado à jornada de sustentabilidade da agropecuária, a qual embasou diversas propostas para a agricultura empresarial e familiar relacionadas à diferenciação de condições de financiamento em diferentes linhas de crédito.

    Foi implementado no Plano Safra da agricultura empresarial a redução da taxa de juros de custeio daqueles empreendimentos que tiveram contratos nos últimos cinco anos-safra no Programa RenovAgro (ou nos antecessores Programa ABC/ABC+), reconhecendo os investimentos realizados para adoção de boas práticas e tecnologias no campo. Adicionalmente, as condições de financiamento dos programas de investimento alinhados à sustentabilidade continuaram melhores se comparadas às demais linhas de crédito, conforme explorado acima.

    Ainda, a metodologia desenvolvida demonstrou a necessidade de aprimoramentos na base de dados do SICOR, tal que facilite a identificação de empreendimentos alinhados à sustentabilidade e resiliência climática, dispostos na Nota Técnica 6. As sugestões vão desde a delimitação conceitual das variáveis do sistema à alteração ou criação de variáveis e campos do SICOR. Estes avanços irão corroborar com análises dos recursos do crédito rural alocados, com a caracterização dos empreendimentos, imóveis e produtores financiados, fundamentais também para a classificação conforme a taxonomia sustentável para o setor que está sendo desenvolvida.

    Algumas alterações implementadas relacionadas ao financiamento da assistência técnica dos programas da agricultura familiar também foram apresentadas nas propostas. Vale reforçar a importância de fomentar a inclusão sustentável da agricultura familiar, para uma transição justa da agropecuária, destacando algumas propostas apresentadas (Nota Técnica 3) não implementadas, como:

    Diferenciar as condições de financiamento para produtores que já contrataram crédito em programas e subprogramas de investimento alinhados à jornada de sustentabilidade (Pronaf Floresta, Bioeconomia, Agroecologia, Semiárido, RenovAgro, Moderagro – Recuperação dos Solos, Proirriga – Agricultura Irrigada Sustentável) e queiram ampliar seus empreendimentos e para aqueles que nunca contrataram crédito rural, de forma a fomentar o acesso ao crédito com inclusão sustentável.

    Alguns avanços nas regras e limites de crédito ainda merecem ser implementadas nas operações com recursos dos Fundos Constitucionais de Financiamento. Há alguns anos a Agroicone apresenta nas Notas Técnicas para o Plano Safra diversas evidências quanto a necessidade de revisitar as regras e a priorização dos recursos dos Fundos, além de harmonizar as linhas de crédito com o restante do Sistema Nacional de Crédito Rural. É imperativo que a alocação destes recursos cumpra com o objetivo principal dos fundos, de promover a redução das desigualdades regionais e o desenvolvimento sustentável.

    Ainda, é imprescindível repensar a gestão de riscos da agropecuária. A falta de previsibilidade de recursos para o Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural – PSR, a necessidade de aprimoramentos no Proagro, os instrumentos de gestão de riscos climáticos disponíveis como o ZARC e a necessidade de incorporar atributos socioambientais e climáticos sob a ótica de gestão integrada de riscos requer revisitar os modelos e instrumentos vigentes. Utilizar a política de crédito rural para alavancar o seguro rural no Brasil foi uma das sugestões detalhadas na Nota Técnica 7 do documento apresentado pela Agroicone.

    Por fim, vale ressaltar que diversas propostas apresentadas pela Agroicone, debatidas e aprimoradas em conjunto com diversos atores, têm sido incorporadas pela política agrícola ao longo do tempo. O alinhamento da política agrícola com a agenda climática e demais políticas públicas é fundamental para garantir a perenidade e longevidade da agropecuária brasileira, seja de pequeno, médio e grande portes, consolidando o Brasil como um grande produtor de alimentos saudáveis e sustentáveis.


    *Leila é sócia-gerente da Agroicone, Gustavo e Lauro são pesquisadores da Agroicone.

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